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O Centro de Folclore e Arte Popular de Caxias (CEFOL)   tem como objetivo   colaborar para a    salvaguarda do patrimônio cultural brasile...

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Antonio Nascimento Cruz: um homem entre vários mundos: a trajetória do fundador do Centro de Folclore e Arte Popular de Caxias ( CEFOL)



Antonio Cruz em frente ao Centro de Folclore e Arte Popular de Caxias ( CEFOL)

 Apresentação

Antonio Nascimento Cruz foi um compositor, escritor, multi-instrumentista, arquiteto, mestre de cultura popular maranhense, fundador do Centro de Folclore e Arte Popular de Caxias (CEFOL) e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Caxias (IHGC). Nasceu em 27 de janeiro de 1950 no povoado Pé de Abóbora, zona rural de Caxias (MA), filho de Antonia Nascimento, conhecida carinhosamente como Dona Tonica, e Jose Eurípedes do O.

Homem negro e pobre da zona rural, Cruz  trabalhou desde criança para custear seus estudos e ajudar sua família. Apesar das dificuldades, formou-se em arquitetura e urbanismo pela Universidade de São Paulo, turma de 1975 e, logo após, fugindo da Ditadura Militar, mudou-se para o México. Neste país, especializou-se em acústica pré-hispânica na Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), trabalhou na embaixada do Brasil e realizou concertos em teatros, universidades e casas de shows.

O sucesso o levou rapidamente a realizar concertos em diversos países do mundo: EUA, Alemanha, Canadá, Marrocos, Alemanha entre outros, sempre divulgando a cultura popular e afro-brasileira. Os seus espetáculos também envolviam instrumentos e sonoridades dos povos autóctones mexicanos, com os quais  realizou intensa troca espiritual e artística. Clarinetes, tenoplazis, tambor onça, berimbau, seus concertos testemunhavam a sua impressionante trajetória e sua fé inabalável em  Encantados e Orixás.

 Durante esse período, Cruz realizou palestras e conferências em universidades, colaborou com programas de televisão, fez música para teatro e cinema e escreveu peças infantis, romances e manuais sobre instrumentos afro-brasileiros. Ele também trabalhou na produção e na organização de diversos eventos internacionais de divulgação da cultura brasileira.

Após o terremoto que assolou o México em 1985, Antonio Cruz regressou ao Brasil profundamente afetado pela catástrofe. De início, pretendia rever sua família e preparar-se para ingressar na carreira diplomática, contudo, após o convite de Hélio Queiroz, então prefeito de Caxias, para que ele fundasse e assumisse a Secretaria de Cultura do Município, o jovem arquiteto, no alvorecer dos seus 36 anos de idade, após nove anos de uma meteórica carreira internacional nos teatros dos EUA, da Europa e da América Latina, toma uma decisão que mudaria para sempre seus planos e o seu futuro.

 Contudo, após dois anos à frente da pasta da cultura, Cruz abandonaria os holofotes do poder e iniciaria uma longa jornada de luta em defesa da cultura popular e afro-brasileira e na organização de  movimentos sociais e culturais, atuando como presidente   da escola de samba Malucos por Samba, amo do bumba-boi de zabumba Brilho da Princesa, do qual foi fundador; coureiro de tambor de crioula e caixeiro de São Sebastião, função que exercia religiosamente durante a tradicional procissão do mastro de São Sebastião de Caxias. Tudo isso culminou no surgimento do Centro de Folclore e Arte Popular de Caxias (CEFOL) em 2006 e no seu Museu Folclórico Dinâmico em 2013, este último o primeiro museu de cultura popular da cidade, reconhecido pelo Ministério do Turismo em 2020.

Antonio Cruz casou com a assistente social Maria José, grande companheira de todas as horas, e teve dois filhos: Cayo Cruz, quem aqui escreve, e Anna Morélia. Além destes, criou Raimundo Nonato, e os sobrinhos Flávia Cristina, Diana e João Neto. Sua casa também sempre foi um lugar aberto aos amigos e parentes, tanto que muitos jovens já passaram longas temporadas na casa do saudoso e alegre tio Cruz, como era chamado pelos sobrinhos e amigos.

Morreu em 24 de agosto de 2019, durante uma apresentação de boi em uma escola da cidade. Cruz havia acabado de cantar a sua toada mais famosa, que dizia “ O vento quanto é forte nas palmeiras, como é tão bonito na noite de São João, oh meu sabiá, meu corrupião, os apaixonados vão morrer do coração.”. Em um rompante, tão fugaz quanto o nascimento, Caxias viu seu apaixonado filho partir desse mundo, vítima de um infarto fulminante, como dizia a sua canção.

Este artigo foi organizado em quatro partes: a infância, a adolescência e a juventude no exterior, o retorno à Caxias e a fundação do CEFOL e, por último, as considerações finais. Todas as informações aqui presentes contam com a colaboração de Maria José, esposa de Antonio Cruz, Luzinete, irmã mais nova, Rejane Cruz, sobrinha, e Paulo, cunhado. Foi realizada pesquisa no acervo pessoal de Antonio Cruz disponível no Centro de Folclore e Arte Popular de Caxias (CEFOL) composto de livros escritos por ele, documentos, recortes de jornais, revistas, cartazes etc. E foram também imprescindíveis as longas conversas com o historiador Wendell Brito, que pesquisa sobre Antonio Cruz, e as preciosas contribuições de Edmilson Sanches publicadas nas redes sociais.

A Infância em Caxias

Antonio Cruz junto com seus pais, irmãos e sobrinhos


Antonio  Nascimento Cruz nasceu em 27 de janeiro de 1950, sendo o terceiro dos seis filhos biológicos de Antonia Nascimento Cruz e Jose Eurípedes do O. Nasceu pelas mãos de dona Raimunda, parteira, e irmão gêmeo de Antonia do Nascimento, que veio a falecer pouco tempo após vir ao mundo.

A sua mãe, Antonia Nascimento Cruz, conhecida como dona Tonica, era filha de Antonio Pinheiro Cruz e Maria José Pinheiro Cruz, possuía três irmãos homens e duas irmãs mulheres. Os pais de dona Tonica moravam em um povoado próximo ao Baixão, interior no qual viviam Dona Tonica e seu esposo.

O pai de Antonio Cruz, Jose Eurípedes do O. era filho de Fausta, seu pai morreu cedo e sua mãe ficou viúva, deixando-o sobre os cuidados de Dona Faustina, no povoado Baixão. A família Cruz botava roça, quebrava coco babaçu, criava vaca e cabrito, faziam de tudo para sobreviver na esquecida zona rural de Caxias

Foi no povoado Baixão, onde vivia com sua família que aos cinco anos de idade Antonio Cruz teve o seu primeiro contato com o mundo da encantaria. Enquanto banhava em um riacho, o pequeno Cruz encontrou uma mãe d´água, uma encantada das águas que lembra muito uma sereia, e ela quase o arrastou para o fundo do rio. A intensidade desse encontro o deixou com gagueira e para tentar curar seu filho Dona Tonica procurou um terreiro de umbanda que uma prima frequentava. Lá, além da cura, Antonio Cruz encontrou instrumentos, ritmos, rituais e cosmologias que abriram sua sensibilidade para o mundo da encantaria e marcaram profundamente a sua vida e a sua forma de ver o mundo.

 A morte do seu bisavô João da Cruz, dono e fundador do povoado Pé de Abóbora também deixou marcas na epiderme do pequeno Antonio. Recordo das vezes que ele contava com espanto a forma como sua família foi chamada para a casa do patriarca, pois o ancião havia avisado a todos que iria morrer. Muitos dos familiares e amigos que cercavam João da Cruz estavam incrédulos vendo-o organizar o seu velório: pedir rezas, mandar fazer comidas e servir cachaça. Até que, de repente, ele deitou-se na rede, fechou os olhos e não os abriu mais. Essa sua relação com a morte Antonio acreditava ser algo intrinsecamente ligado  à sua família materna, o que ele chamava de “saber o dia,a hora e a forma que vai morrer”.

Além dos encontros com encantados e do primeiro contato com o mistério que é a morte, a infância de Antonio Cruz foi profundamente marcada também pela dificuldade financeira. Começou a trabalhar aos sete anos de idade para ajudar  sua família, viajava freqüentemente sobre um jumento do Baixão para Teresina (PI) para comprar café em pó para revender, quebrava coco, vendia cocada, macaúba entre outras coisas que sua família plantava no interior. Quando anoitecia, todo o povoado se reunia para ouvir Cruz lendo e recitando os romances que os mais velhos gostavam de ouvir. Isso era um fato que chamava a atenção de todos para o pequeno Antonio Cruz. Inclusive, foi durante uma leitura dessas, enquanto acompanhava seu pai em uma venda na cidade, que ele chamou a atenção de  Zefinha Abreu, uma operária e educadora negra caxiense que pediu a guarda da criança para o senhor Eurípedes do O., prometendo instruí-lo e educá-lo.

Assim, aos oito anos de idade, Antonio mudou-se para a cidade sob a tutela de seus padrinhos: Dona Zefinha, uma  negra umbandista, e Monsenhor Clóvis Vidigal, um sacerdote católico. A relação entre as duas religiões seria marcante em toda a sua trajetória. Iniciou-se no terreiro de mina que sua madrinha frequentava enquanto ajudava seu padrinho na missa. Aprendeu a tocar tambores, maracás e xequerês durante rituais de cura e transe; e estudou música clássica, canto gregoriano e latim em um seminário.

Nas férias, Antonio Cruz retornava para o Baixão e enquanto  outras crianças da sua idade aproveitavam para brincar, ele quebrava coco para vender e comprar o seu material de estudo. Dona Zefinha Abreu também era uma pessoa humilde e batalhadora, e mesmo morando com ela, Antonio teve que trabalhar. Na cidade, ele vendia água, café, pitomba e cocada na Estação Ferroviária Teresina- São Luis (MA),eternizada na música de  João do Vale.

Ao final da tarde jogava bola pelas ruas do bairro Acrísio Cruz, batia tambor, brincava boi, arranjava briga e fazia um monte de outras coisas comuns aos meninos de sua época. Estudou no Colégio Gonçalves Dias e no Colégio Diocesano, mas uma das escolas mais importantes de sua vida foi a Escola de Samba Malucos por Samba, fundada no mesmo bairro em que morava no ano de 1950 por João Macedo. Nela, ele seria apresentado ao carnaval de batucada de Caxias.

Escola de Samba Malucos por Samba, 1950. ( Sinésio Santos)


Adolescência e Juventude no Exterior

 

México. Década de 70.

Na década de 60, estudou em instituições de ensino na cidade de Petrolina e no mosteiro de São Bento em Olinda, onde dedicou-se ao estudo de música erudita. Ele migrou para região após conhecer a família Di Cavalcante na cidade de Bacabal, onde estava a trabalho. A família o convidou para conhecer o Estado do Pernambuco após achá-lo inteligente e trabalhador.  Em Petrolina, foi aluno de capoeira de Mestre Bimba, um dos fundadores da capoeira regional, e com ele aprendeu tocar e fazer berimbau. Esse encontro o apresentou a um dos seus instrumentos preferidos e o qual o levaria a ter muito sucesso fora do país. Por outro lado, viver em um lugar culturalmente rico e diversificado como o Pernambuco o permitiu aprender também outros instrumentos típicos da cultura popular nordestina como a ciranda e o coco.

Sempre muito disposto, Antonio Cruz teve vários empregos na cidade, chegando a trabalhar até como assistente de lutador de luta livre. Entrementes, foi nesta cidade que ele também aprendeu a profissão de marceneiro,  profissão que também ensinaria a seus irmãos Bil e Zequinha. Ao retornar à Caxias, em 1967, ele levou uma máquina de solda para iniciar um negócio na sua cidade natal, mas a falta de estrutura e o difícil acesso à energia elétrica não permitiram que ele fosse bem sucedido, o que o motivou a sair novamente da cidade em busca de melhores condições de vida em São Paulo.

Aos dezenove anos, em 1969, ele retornar da capital paulista e se alista no tiro de guerra para servir ao Exército Brasileiro, pouco tempo após o país entrar em uma das fases mais sombrias do Regime  Militar iniciado em 1964. Com o seu título de reservista nas mãos, Antonio Cruz partiria para São Paulo em busca do sonho de entrar em uma universidade. Na capital paulista, dividiu um quarto com mais seis caxienses que também deixaram sua cidade natal em busca de melhores condições de vida e trabalhou no mercado central descarregando caminhões.

Após estudar em um cursinho preparatório ele conseguiu ingressar no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP). Na faculdade, se envolveu com o movimento estudantil e na organização de movimentos sociais enquanto estudava clarinete no conservatório municipal. Cruz sempre se apresentava como anarquista e mostrava grande descrença nos partidos políticos e nas instituições brasileiras, mas sempre possuía muita disposição e coragem para denunciar os graves problemas da sociedade brasileira.

Carteira de Estudante de Antonio Cruz

O seu envolvimento crescente com o movimento estudantil chamou a atenção do aparelho de repressão do Estado. Cruz confidenciava que havia conseguido escapar da tortura por pouco, pois momentos antes de chegar na casa em que morava ele foi avisado por vizinhos de que haviam militares a sua espera. Deixando tudo para trás, Antonio Cruz retornou à Caxias e durante a sua breve estadia na cidade, ele é convidado para ser padrinho de Nonato Cruz, filho de seu irmão Bil Cruz. Na ocasião, ele presenteou seu afilhado com uma flauta e introduziu para sempre a criança no mundo da música.

 Antonio Cruz dizia usar com frequência o seu título de reservista para comprovar que não era comunista quando era parado pela polícia, o que facilitou bastante seu trânsito entre as cidades. O seu título de reservista, ele declarava sorrindo, foi o documento de maior utilidade para a sua vida nesse período.

Antonio Cruz tocando para crianças em uma favela do México

                               

Em 1976, com a ajuda de amigos Antonio Cruz e do seu irmão de criação Edison Vidigal, que viria a se tornar futuramente Ministro do Supremo Tribunal Federal, deixou o Brasil para estudar acústica pré-hispânica na Cidade do México (México). Neste país, trabalhou como funcionário da Embaixada Brasileira, com a responsabilidade de organizar atividades culturais, realizou concertos, exposições e performances artísticas em museus, universidades, institutos e teatros. As apresentações percorreram o México, Canadá, Estados Unidos, Portugal, Espanha, França e Alemanha. O seu talento foi reconhecido por outros artistas, universidades e críticos maravilhados com a fusão sonora entre instrumentos afro-brasileiros, indígenas e pré-hispânicos. Um período de intensa troca espiritual e artística que marcaria para sempre a sua forma de pensar e fazer cultura.



Assim, entre 1976 e 1985, Antonio Cruz viveu grandes transformações na sua vida financeira e profissional, tanto por ser funcionário da Embaixada quanto por ter uma carreira artística de sucesso internacional como músico experimental. O que seria interrompido por um terremoto que devastou o país e fez com que o jovem caxiense retornasse para sua terra natal

No México, ficou maravilhado com o acesso à toda uma literatura que até então era censurada no Brasil e os ideais de amor e liberdade propagados pelo movimento hippie, que já o seduziam desde a faculdade. A cultura asteca e dos demais povos autóctones mexicanos foram também muito importantes para o jovem artista. Tanto que seus últimos espetáculos apresentavam o encontro de suas influências: o Jazz norte-americano, os ritmos autóctones mexicanos e toda a bagagem que ele trazia consigo que ia dos terreiros de terecô do Maranhão onde se tocava bumba boi, tambor de crioula e muitas outras brincadeiras à capoeira regional de mestre Bimba e à música erudita que estudou no mosteiro e no conservatório.



 Suas performances artísticas bem noticiadas na mídia internacional e seu trabalho junto à Embaixada do Brasil levaram o jovem Cruz a fazer cultura e morar  em diversos países, como Canadá, Estados Unidos, Portugal, Espanha e Alemanha. Por onde atuou como produtor cultural e musico, além de realizar palestras e conferências sobre cultura brasileira em universidades e instituições artísticas.

De concertos com mais de trezentos instrumentos a experiências científicas em que se investigava a possibilidade de comunicação entre a cuíca e as baleias, os recortes estrangeiros registram sobre os passos do jovem caxiense. Esse sucesso o levou a uma turnê em Otawa, no Canadá, entre 1978 e 1979 e na órnia, nos EUA, em 1980. O período exato de duração dessas turnês é algo que ainda não foi completamente elucidado devido à falta de registros.

Um jornal canadense de 18 de Agosto de 1977, publicou em uma matéria assinada pelo crítico de arte Burf Kay o seguinte título:  Antonio Cruz: uma experiência direta, primitiva e tribal:  anos luz à frente de Sérgio Mendes.Tamanho era o impacto dos seus concertos na imprensa. Sobre a sua passagem pelos Estados Unidos, um dos principais registros encontra-se na plataforma You Tube, trata-se do projeto Acustical Ritual Instruments, gravado pelo Broadcoasta Dept. do City College da Universidade de São Francisco[1] em 1980. O vídeo é apresentado pela antropóloga Neide Azevedo e Antonio Cruz toca diversos instrumentos típicos da cultura afro-brasileira, dos povos autóctones mexicanos e o seu inseparável clarinete. Em outubro do mesmo ano, Cruz também faria parte da programação do Museu de Arte Moderna de São Francisco.

                        

“Meu trabalho não é somente tocar músicas do Norte e Nordeste do meu país, Brasil, mas demonstrar a evolução da percussão na África e nos ritmos indígenas da música da minha região... música de paixão, desejo, esperança... ódio e amor refletido nos ritmos que cantam e criam a melodia que quer emergir. Ritmos de carne e sangue que reivindicam o direito de serem cantados e não ser mais apenas o acompanhamento mudo para a melodia como tem sido o caso”. Diria o músico para o jornal Ottawa-Revue, em setembro de 1978.

                                        

 Além dos concertos, Antonio Cruz realizou  cursos sobre música experimental brasileira na Universidade Autônoma de Guadalajara (UAG) e foi professor de Música Brasileira no Instituto Goethe e na Universidade Metropolitana. Na Televisão, foi assessor de programas brasileiros veiculados pela Televisão da República Mexicana, a TRM, atual TV Azteca, privada e produziu e dirigiu o programa de TV “Brasil em México Hoje”. Também participou da propaganda do antiácido da Alka Sekter na TV mexicana em 1985.

Ao retornar para o México de sua temporada no Canadá, nos EUA e em outros países, no início dos anos oitenta, ele assessorou o Carnaval da cidade de Mazatlán no estado de Sinaloa, no oeste mexicano, em 1982; fundou e dirigiu o Departamento de Música do Centro de Estudos Brasileiros na Cidade do México (MEX). E no ano de 1984, realizaria um dos seus projetos mais importantes: a fundação do Centro de Estudos Brasileiros de Yucatan, estado do sudeste mexicano em que Cruz teve intensa atuação, chegando, inclusive, a ser diretor artístico do carnaval da capital no mesmo ano.

Porém, às 07:19 horas da manhã no dia 19 de setembro de 1985, possuindo a magnitude 8,1 a 8,3 na escala Richter, um dos maiores terremotos a afetar o México e a América, desmoronaria cerca de 412 edifícios e mataria entre 10 e 30 mil pessoas no país.  Atingindo principalmente a Cidade do México e causando sérios danos em Jalisco, Michoacán, Colima, Guerrero, Morelos e Veracruz.

O lugar em que Antonio Cruz morava foi completamente destruído, por sorte ele havia dormido em outra cidade na noite anterior, e isso permitiu que ele sobrevivesse à catástrofe. Mas as marcas seriam profundas: a destruição, as pessoas sob os escombros e os amigos desaparecidos que ninguém nunca conseguiu notícias a respeito tornaram-se imagens de dor e sofrimento nas primorosas recordações de Cruz sobre sua vida naquele país

Ele agradecia profundamente aos seus Encantados  e Orixás, por todo esse livramento, essa seria a segunda catástrofe da qual ele sobreviveu no México. Na primeira, momentos antes de embarcar em um vôo, ele deparou-se com uma espírito de luz que o lembrou Iansã e isso o fez desistir da viagem que terminaria com uma queda de avião com alto número de mortes.

 

Retorno à cidade natal e a fundação do Centro de Folclore e Arte Popular de Caxias (CEFOL)

Em outubro de 1985 Antonio Cruz retorna à Caxias e é convidado para fundar e assumir a Secretaria de Cultura do Município pelo então prefeito Hélio Queiroz, que assumiu após morte do prefeito José Castro. Sua gestão à frente da pasta é marcada pela fundação da escola de samba Acadêmicos do Samba, pela valorização da escola de música, fundação de um coral municipal, incentivo à dança, música erudita, teatro e outros segmentos artísticos. Destaca-se, no trabalho de Antonio Cruz, o incentivo a terreiros, grupos de capoeira e à cultura popular e afro-brasileira como um todo. Ao chegar na cidade, Antonio dizia ainda encontrar forte repressão aos terreiros da cidade, sendo comum a polícia invadir os templos afro-brasileiros durante a festa e prender os praticantes da religião.

Jornal O Pioneiro, de Caxias (MA), acerca das atividades realizadas por Antonio Cruz nos bairros de Caxias. 1988

Nessa época, Cruz, em posse do título de Secretário de Cultura, foi inúmeras vezes à delegacia para intervir em defesa dos grupos discriminados. Esse seu  envolvimento na luta contra o racismo das instituições caxienses atraiu a raiva de uma certa elite da pequena Caxias  do final do século XX. E após problemas políticos e perseguições, ele deixou a administração pública. Contudo, ele continuaria a se envolver como militante do PMDB em importantes eventos políticos caxienses até que o assassinato de um amigo, o jornalista Ivan, durante as eleições de 1992, o fez distanciar-se definitivamente da política eleitoral de sua cidade.

No mesmo ano em que retornou para Caxias, Antonio Cruz conheceu a assistente social Maria José, com quem  casou anos depois e teve um casal de filhos: Cayo Cezar de Farias Cruz, em junho de 1989 e Anna Morélia de Farias Cruz, em setembro de 1990. Esta última levaria no nome uma homenagem à flor mexicana que deu origem ao nome do estado de Morelos, no México. No mesmo período também adotou Raimundo Oliveira, filho de seu amigo João da Cruz.

Antonio Cruz e sua esposa Maria José

                                       

A partir da década de 90, Cruz dedicar-se-ia completamente ao ativismo cultural, como presidente da Escola de Samba Malucos por Samba, que conheceu quando ainda era criança; auxiliando na produção do Bumba-Boi Brilho de Prata, boi da terceira idade do SESC coordenado por sua esposa Maria José no qual brincaram importantes cantadores de boi da cidade; e como caixeiro de São Sebastião acompanhando a tradicional procissão do mastro  de São Sebastião de Caxias.

Antonio Cruz no batizado do Bumba Boi Brilho da Princesa

Antonio Cruz junto com caixeiros antes da retirada do mastro na reserva Inhamum

Tudo isso culminou no surgimento do Centro de Folclore e Arte Popular de Caxias (CEFOL), fundado em 2006, primeiramente localizado no depósito do seu escritório na travessa São Benedito, o seu segundo endereço foi no  Armazém da antiga Estação Ferroviária Teresina- São Luis (REFFSA) e atualmente se encontra na sede da antiga Estação Cajazeiras.

A entidade foi idealizada e fundada por Antonio Cruz  a partir da junção de diferentes grupos culturais, com a finalidade de melhor resistirem e sobreviverem às dificuldades e aumentar o impacto de suas ações a partir do CEFOL. Os grupos são: os  Malucos por Samba, o boi Brilho da Princesa, fundado em 2005, o  tambor de crioula Mafuá do Negro Cosme, fundado em 2006  e os Caixeiros de São Sebastião.

Em 2013, após se mudar para o prédio histórico da antiga Estação Cajazeiras (REFFSA), o  CEFOL aumentou seu eixo de atuação com o desenvolvimento do  “Museu  Folclórico Dinâmico”, na sua própria sede, proporcionando um passeio gratuito e interativo por um  acervo  de   instrumentos, fotografias e  indumentárias  que narram a história de Caxias a partir dos tambores. Nesse mesmo  ano, após uma vivência em tambor de crioula na sede da entidade, surge o grupo de tambor de crioula Mangacrioula, em Teresina ( PI), o primeiro grupo do gênero da capital piauiense. (SILVA, 2017)



Antonio Cruz recebendo alunos de escola pública no recém fundado Museu Folclórico Dinâmico,
atual Museu Folclórico Caxiense

Antonio Cruz ministrando oficina de ritmos carnavalescos
                                                                           no CEFOL
Antonio Cruz ministrando oficina de tambor de crioula
no CEFOL
Antonio Cruz durante desfile da Escola de Samba Malucos por Samba
                                                                          no CEFOL

No dia 24 de agosto de 2019, durante uma apresentação de bumba-boi no encerramento de uma semana do folclore, Cruz faleceu, vítima de um infarto fulminante  no mesmo dia em que se celebra Oxumaré, o orixá da transformação da matéria, dos ciclos e da continuidade e  nacionalmente é reconhecido como o dia do artista. Ele estava no encerramento de um evento dedicado ao folclore e já havia cantado durante a semana toda em vários lugares diferentes da cidade. Cruz também queria ter realizado um evento nesta mesma semana na cidade em que morava, também em alusão à data, mas infelizmente foi cancelado por falta de apoio  da classe política da sua cidade.

Antonio Cruz cantando boi durante uma apresentação do Brilho da Princesa


 Neste dia, partiu sorrindo enquanto cantava uma toada de Cururupu, região da ilha dos lençóis, um lugar importante da encantaria maranhense e no qual Cruz terminava de realizar suas últimas obrigações para tornar-se Pajé, uma aventura que está registrada no último livro que escreveu em vida. Seu  enterro foi repleto de homenagens dos mais diversos artistas da cidade: música, canto, sopro, toadas e rodas de tambor. Assim como a sua vida.

Considerações Finais

A diáspora, suas trocas e misturas, muitas vezes violentas, entre diversos povos teve grande efeito nos conhecimentos, cosmologias e formas de viver do povo do Maranhão. Os tambores, geralmente relacionados à ancestralidade africana na construção da identidade nacional, embora muito presentes em  várias culturas ao redor do mundo, representam uma importante dimensão simbólica e política na trajetória de grupos historicamente oprimidos em busca da afirmação de sua cultura e valores. Onde  evidencia-se a sua vocação  comunitária, pois são tocados em grupos, batalhões, agremiações, cortejos e com grande sentimento de pertencimento e ancestralidade.

Antonio Cruz, em sua vida, sua obra e sua morte nos revela o caráter político que os mais diversos brinquedos e manifestações  da Cultura Popular apresentam no seu enfrentamento diário do imperialismo cultural imposto pelo conjunto de instituições que formam o Estado brasileiro e as formas de luta e resistência que os  povos colonizados constroem para sobreviver às políticas de morte do Estado, entre elas a miséria, a fome e o racismo. Sua vida impressionante transpõe as fronteiras do local e nos trazem uma preciosa perspectiva sobre o Brasil e o Maranhão entre o século XX  e XXI.

 

Referência Bibliográficas

 

COUTINHO,M.Caxiasdas Aldeias Altas:subsídios pra sua História. 2.ed. SãoLuís: Caxias: PrefeituradeCaxias, 2005

SILVA,Wanderson Carlo Lima D. “Eu me criei na palha do coco, deixando o vento me balançar”: mangacrioula, a identidade do tamor de crioula de Teresina (PI). Monografia. Universidade Federal do PIAUI (UFPI).2017



[1] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JOURCcWQPWw

[2] Cultura Popular é pensada nesse trabalho  como uma categoria êmica.




quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Será mesmo que o Rap é compromisso, não é viagem? Sim. Mas antes disso tudo é união por um ideal.



Participantes da Batalha do HC 
Arquivo: Batalha do HC

O Hip Hop é além de um gênero musical, é um estilo de vida, uma cultura que nasceu nos anos 70 em New York no Bronx, foi criado pelo Africa Boombata por meio da Zulu Nation que defendia a ideia de auto-afirmação e de combate à violência por meio dos quatro elementos do Hip Hop: o DJ, o MC o Grafitte e o B-Boy/B-Girl. A área do Bronx era carente de políticas públicas eficientes e continuadas e a filosofia que Boombata pregava defendia que os jovens deixassem de lutar com armas e começassem a disputar territórios e honra por meio da criatividade e pelo poder da argumentação.
O Hip Hop veio para o Brasil em 1986 e tomou avenidas, galerias e estações de metrô com as tendências vindas de New York, e a juventude negra encontrou um veículo-fonte de autoestima e auto-organização polícia e artística por meio dessa cultura. Um dos grandes nomes brasileiros é o Nelson Triunfo- dá uma pesquisada, é sempre bom beber na fonte da velha escola!
Outrossim, Timon, uma cidade pacata do Estado do Maranhão também tem seu legado em construção por meio da cultura Hip Hop. Por se localizar bem próximo a capital do Piauí, Teresina, sofre grandes influências do movimento piauiense,  mas não deixa de construir com sua identidade várias manifestações artísticas. Entrevistei o @lew_fernandes, um dos grandes nomes de Timon/Teresina, e o mesmo me constatou que a primeira Crew de Break de Timon era chamada de "B-Boys suspeitos", vencedora de uma Batalha de Breaking em Teresina por volta de 2004, foi formada pela entidade de Hip Hop VTP(Visão periférica de Timon). Em 2007, o VTP fez o projeto de montar a primeira sede de Hip Hop de Timon, instalada no Conjunto Boa Vista, onde era realizada diversas atividades relacionadas à  filosofia de vida que o Hip Hop pode oferecer.
Com essas mesmas palavras, Lew Fernandes também relatou que em 2008 se formou a segunda Crew de Breaking, chamada Ivasores, na qual alguns integrantes eram grafiteiros.Logo em seguida, surgiu uma rivalidade de Breaking entre os Ivasores e os Suspeitos. Em 2009, outras Crews se formaram na cidade como:  Digimon, Flex crew, Crazy for style, Teletubies, Black Mouse e Sharingan.
Em 2010, se formou o A.B.k (ALL-Broken ),  a Crew que mais se destacou na cidade ganhando várias batalhas municipais, estaduais, nacionais e eliminatórias internacionais como Redbull BC One e Freestyle Session! Em 2013,surge a primeira Crew de graffiti timonense,  a Spray Copatas, que vem ganhando cada vez mais espaço  no Maranhão e no Piauí !
 Lew Fernandez: membro de um dos primeiros grupos de Breaking de Timon/MA
Arquivo: Lew Fernandez

De acordo com um dos primeiros organizadores da batalha de rap de Timon,  o Thiago de Jesus,  ou como o mesmo gosta de ser chamado: Bruxo ou Lord.  A Batalha da CT, @_batalhadact, surge no começo de 2016, com apenas uma caixa amplificada, dando início a uma das vertentes do movimento cultural do Hip-Hop que reúne não só membros Mc's jovens, mas também públicos de diferentes idades para apreciar a arte que anda propagando conhecimento em todos os contextos. No início das batalhas,  poucas pessoas  frequentavam e faziam acontecer o movimento. Os nomes conhecidos que se faziam presentes na praça São José no centro de Timon eram , além de Thiago de Jesus e das crianças do bairro, os  jovens: Arauto, Edinaldo, Ricardo, Bruno, Ronaldo, THG, Marquinho e Raifran, atualmente o número de pessoas que somam ao movimento aumentou e cada um segue sua vida escrevendo suas poesias e suas músicas.
Tiago Jesus: primeiro organizador da batalha da CT
Arquivo: Tiago Jesus

Até o momento,  não se ouvia falar de mulheres no movimento em Timon, não é mesmo? Então, Thais, vulgo Bolladona, mulher, LGBT e artesã, se tornou organizadora da Batalha da CT, afastando-se  depois devido a problemas pessoais. Em 2016, Preta Pri se tornaria a primeira mulher a participar da Batalha da CT e vencer, apesar de todo o machismo que sofreu, iniciando uma revolução no movimento Hip Hop de Timon. Em 2018  Marysol, mulher, preta, escritora, começou a frequentar a Batalha da CT, local que majoritariamente é masculino. Ela chegava no meio das batalhas recitando suas poesias marginais mesmo com as pernas tremendo de nervosismo, enfrentando as ondas de ocupar um local até então unicamente "masculino". Hoje em dia,  Marysol é uma das organizadoras da Batalha e já trouxe muitas melhoras para as reuniões culturais, implantando os Slams de Poesia e as Batalhas do Conhecimento(que foram iniciadas pelo brasileiro MC Marechal), que podem e devem ser compartilhadas e praticadas em todos os estados brasileiros. Temos grandes nomes femininos em Timon que carregam com muita responsabilidade o Hip Hop por onde passam, um dos nomes é Carmem Kemoly, mulher, preta, estudante e artista que lançou em 2019 a faixa Camburão, que faz parte do seu EP Karma, lançado em Timon no ano de 2019, no espaço Terreirus Club. Ela também escreveu e dirigiu o curta metragem que conta a história de Esperança Garcia, a primeira advogada  negra, brasileira e piauiense. Recentemente,   Jaísa Caldas lançou um Single com o nome "Homens, raça sem classe" Jaísa é mulher, preta e Timonense. Ouçam esse som! Mas agora voltando, em 2017, num show de Rap em Teresina, na fila da Bilheteria,  Douglas Moraes Ribeiro conheceu Humberto e Pedro Henrique. Dessa amizade surgiu a gravadora ABIFFRECORDS( @abiffrecords)  que se localiza no Parque Alvorada. Foi uma atitude de coragem, de jovens que apostam na arte seus mantimentos de alma e refúgio espiritual. Em junho de 2019, Douglas usou um dinheiro que já havia guardado há um tempo e comprou alguns equipamentos de captação de som e essas coisas básicas para um estúdio, coincidentemente ou não, em junho do mesmo ano conheceu a Batalha da CT, se envolveu com as pessoas e em menos de seis meses produziu trabalhos belíssimos de muitos Mc's da cidade, como o Sujeito Cria, Bruxo do Norte, Cruz, Sujeito Home, Raifran, Humberto, Pedro, entre outras personalidades, oportunidade muito rara, pois antes os timonenses tinham que se deslocar para Teresina e pagar as gravações das músicas em outros estúdios.
A ABIFFRECORDS chegou para inovar com projetos sociais e empreendedores na cidade de Timon, dando oportunidade também para a juventude periférica expressar suas vivências, artes e dores por meio da música, inicialmente as gravações eram de graça e hoje em dia é feita por um preço bem  acessível. E isso é o Hip Hop em ação. Posteriormente, Douglas e Marysol encabeçaram a ideia do Projeto Fazendo (P)arte, que conta com a ajuda do organizador primário da Batalha da CT, Thiago de Jesus, vulgo Lord, que visa prevenir a juventude do mundo da criminalidade por meio de diversas manifestações artísticas e da cultura Hip Hop. Em breve saberão mais sobre o projeto.
Vale ressaltar que todas as Batalhas resistem sem um apoio mínimo da prefeitura de Timon!!!

                                                     Victor Cavalcante: primeiro organizador da batalha do HC
                                                                              Arquivo: Victor Cavalcante

Em 3 de outubro de 2018  surgiu na cidade a Batalha do HC, que se localiza na praça do Higino Cunha, na praça da UEMA/Timon. Iniciada pelo @vittu_cavalcante e atualmente organizada por Victor, Aragão e Mandacaru, essa Batalha foi palco de outro evento revolucionário na trajetória do Hip Hop timonense, quando uma adolescente chegou e batalhou! Isso mesmo! Temos a segunda MC de Freestyle de Timon. Gabriela tem quinze anos e  sempre sonhou em ser MC , ela relata que hoje vive um sonho,pois desde criança escuta rap e escreve suas poesias, Gabriela nos faz ter esperança. Mulher além de força, é afeto. E é de afeto que o mundo precisa para remediar toda essa violência. E o que tudo isso tem a ver com o título da matéria? Antes da minha resposta, responda para você mesmx. O sentido é em frente. Não teria acontecido nada disso se não fosse a união. E não há união sem afeto. Não há afeto sem diálogo. Não há diálogo sem compromisso. Assim como não há Hip Hop sem compromisso.O movimento é composto por cada pessoa que queria somar, se um cair, o outro tem que ajudar a levantar. O papo é esse. Um salve para todxs e vai desculpando se esqueci de citar o nome de alguém.
Gabriela Caroline, 15 anos, MC
Arquivo: Gabriela Caroline




 Sobre a autora

Marysol da Silva Costa( @humsol_ ), 18 anos, estudante, escritora com livro publicado, timonense, artista independente, jovem, mulher, preta e antifacista.




terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Guerreiros do Quilombo: a história de luta e sucesso de mestre Zumbi.



Autor: Childer Nataniel *

Na quinta-feira 04 de dezembro de 2019 me desloquei até a sede do Espaço Cultural Guerreiros do Quilombo (ECGC) a convite do Centro de Folclore e Arte Popular de Caxias-MA (CEFOL) para escrever uma matéria sobre a Capoeira no cenário local, em especial, sobre o grupo Guerreiros do Quilombo. Na sede do ECGC, tive a satisfação de conhecer e conversar com Delmar Sousa ou mestre Zumbi (como é conhecido no mundo da Capoeira). Afro-brasileiro de 48 anos de idade (sendo mais de 30 destes dedicados a Capoeira), mestre Zumbi trabalha como segurança e é um dos fundadores do grupo na década de 1980, sendo atualmente sua principal liderança.

(Mestre Zumbi)
Foto: Guerreiros do Quilombo

Ele conta que conheceu a Capoeira na década de 1980 através de um professor ludovicense de Karatê e Kung Fu que estava de passagem por Caxias-MA, me refiro ao mestre Neto, fundador do primeiro grupo de Capoeira do citado município em 1987, denominado Associação de Capoeira Unidos dos Palmares (ACUP).
Mestre Zumbi relata que seu processo de aprendizagem e evolução com a arte Capoeira se deu sem a filiação a um mestre ou grupo tradicional, ou seja, ele se considera um capoeirista autônomo. Contudo, ao longo de sua trajetória o referido mestre desenvolveu vários laços tanto com capoeiristas locais como os mestres Dunga (recém-chegado de Brasília), Emidio (Unidos dos Palmares) e Antônio Carlos (Expressão Corporal) quanto com capoeiristas de outros estados como o Piauí, entre eles, os mestres Albino (Escravos Brancos), Oscar (Oscarpoeira), Dadá (Cordão de Ouro), Pebança (Iê Berimbau), Ulisses (Alforria Capoeira), Jabiraca (Muzenza) e capoeiristas como o professor Sílio (Escravos Brancos) quem inclusive já ministrou um curso na sede do grupo Guerreiros do Quilombo.
Sua opção por não se vincular a um mestre ou grupo tradicional lhe trouxe sérias consequências. No universo da Capoeira, sobretudo, dos grupos inseridos no sistema de linhagem hegemônico da Bahia somente quem possui um mestre e um grupo está teoricamente apto a dá aulas. Mestre Zumbi chega a se emocionar ao lembrar-se das memorias que representam momentos desagradáveis durante suas vivências como capoeirista. Ele relata que foi rejeitado tanto no universo das rodas de Capoeira em Caxias-MA e Teresina-PI quanto pela própria sociedade caxiense por ter optado pela não vinculação a um mestre ou grupo, no primeiro caso, e por ser um capoeirista e afro-brasileiro no segundo (sabe-se que o preconceito racial é um fenômeno real no Brasil há séculos).
O grupo Guerreiros do Quilombo foi fundado ainda na década de 1980 por um grupo de amigos, porém, no inicio era visto como um coletivo de capoeiristas e não como grupo de Capoeira nos moldes dos que vemos hoje. Entre 1986-1987 o grupo passou a se chamar Guerreiros do Quilombo e somente na década de 1990 passou a ser tratado enquanto um grupo de Capoeira oficialmente regularizado.

(Fachada da sede localizado no bairro Campo de Belém, Caxias-MA)
Foto: Guerreiros do Quilombo
O nome do grupo está relacionado diretamente com a historia de luta e resistência de mestre Zumbi no cenário local, haja vista que o referido mestre enfrentou vários obstáculos durante sua trajetória. Ele diz “a Capoeira é assim, em um dia você tem 100 alunos e no outro você tá sem alunos”. Essa fala representa inúmeras situações narradas pelo mestre durante a entrevista na qual ele se viu praticamente sem alunos devido ao descaso de inúmeras ações do poder público, do preconceito de parte da sociedade caxiense com relação à Capoeira e ao capoeirista, em especial o negro (devemos lembrar que a Capoeira já foi considerada crime no código penal de 1890 sendo cruelmente perseguida durante a fase da primeira república -1891/1930) ou mesmo pela dissidência e filiação de membros do grupo ao outras siglas de fora do município.
Atualmente o grupo possui alguns bens, entre eles, uma sede física bem estruturada localizada no bairro do Campo de Belém na cidade de Caxias-MA, um veiculo automóvel modelo Kombi para o transporte dos alunos durante apresentações dentro e fora do município, um CD com musicas autorais e uma revista que apresenta as ações do grupo à comunidade. Além disso, encontra-se em andamento o projeto de um filme que vai mostrar a trajetória de mestre Zumbi e do grupo Guerreiros do Quilombo.Faz-se necessário deixar claro que todas essas conquistas são produto do esforço e da dedicação de mestre Zumbi e seus alunos, pois ele nunca recebeu qualquer tipo de apoio do poder público para manter o grupo de portas abertas a toda sociedade caxiense.
(Mestre Zumbi ao lado do transporte oficial do grupo)
Foto: Guerreiro do Quilombo

(Parte interna da sede )
Foto: Guerreiros do Quilombo 
É preciso lembrar que o descaso do poder público não se limita apenas a Capoeira, mas a todas as outras manifestações que fazem parte da cultura popular caxiense como o Bumba meu Boi, o Tambor de Crioula, as Escolas de Samba, as Quadrilhas Juninas, a Dança do Lili entre outras. Diante desse cenário vemos a relevância do trabalho de um mestre que trilhou sua trajetória de forma autônoma em duas dimensões: 1) em relação a qualquer tipo de participação do poder público nas ações do grupo; 2) em virtude, do fato de não ter se vinculado a um mestre ou grupo tradicional. Ao questionar o entrevistado se se considera mestre de Capoeira, ele responde “eu nunca tive um mestre ou grupo, por isso eu fui muito rejeitado no inicio, mas se você me pergunta se eu sou mestre, eu prefiro dizer hoje que a comunidade reconhece meu trabalho”. 
O grupo Guerreiros do Quilombo possui atualmente uma filial fora da cidade que funciona no município de Aldeias Altas (microrregião de Coelho Neto, mesorregião do leste Maranhense), mas já teve filiais em outras cidades como Bacabau, enquanto que no município de Caxias-MA, o grupo possui 5 filiais. O grupo possui 5 professores somente em sua sede que se revezam na condução dos treinos quando o mestre não pode está no local. Pode-se dizer que o ECGQ é uma importante ferramenta de inclusão social para jovens e adultos da cidade, uma vez que atua não só na salvaguarda da arte Capoeira bem como na formação desses sujeitos preparando-os para o convívio em sociedade. Em outras palavras, o grupo caracteriza-se como um agente de cidadania que atua através da educação cultural, um papel que o estado há muito tempo negligencia.
Perguntado sobre como o grupo identifica sua forma ou estilo de fazer Capoeira, mestre Zumbi logo responde “nós nos consideramos um grupo de Capoeira Regional, mas também temos interesse na Capoeira Angola, até criamos recentemente um espaço na nossa sede chamado Espaço Angola”.
 (Sequência de mestre Bimba)
Foto: Guerreiros do Quilombo

(  Espaço Angola)
Foto: Guerreiros do Quilombo

O Centro de Folclore e Arte Popular de Caxias (CEFOL) é uma Organização não Governamental sem fins lucrativos (ONG) fundada em 2006, em Caxias (MA), com o objetivo de colaborar para a   salvaguarda do patrimônio cultural brasileiro, maranhense e caxiense. Foi  idealizada  pelo artista e mestre de cultura popular Antonio Cruz, contando com a  participação  de importantes produtores culturais , artesãos, folcloristas e mestres de cultura popular da  região  no seu surgimento e no desenvolvimento de suas atividades

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OBS. Os treinos de Capoeira ocorrem às segundas, quartas e sextas, a partir das 19 horas, e aos domingos a partir das 9 da manhã.
Contato: (99)- 98829-2170

Sobre o autor:

* Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) e mestrando no Programa de Pós-graduação em Antropologia (PPGAnt-UFPI). Co-fundador do grupo de Tambor de Crioula Mangacrioula na cidade de Teresina (PI).