Autor: Childer Nataniel *
Na
quinta-feira 04 de dezembro de 2019 me desloquei até a sede do Espaço Cultural
Guerreiros do Quilombo (ECGC) a convite do Centro de Folclore e Arte Popular de
Caxias-MA (CEFOL) para escrever uma matéria sobre a Capoeira no cenário local,
em especial, sobre o grupo Guerreiros do Quilombo. Na sede do ECGC, tive a
satisfação de conhecer e conversar com Delmar Sousa ou mestre Zumbi (como é
conhecido no mundo da Capoeira). Afro-brasileiro de 48 anos de idade (sendo mais
de 30 destes dedicados a Capoeira), mestre Zumbi trabalha como segurança e é um
dos fundadores do grupo na década de 1980, sendo atualmente sua principal
liderança.
(Mestre Zumbi)
Foto: Guerreiros do Quilombo
Ele
conta que conheceu a Capoeira na década de 1980 através de um professor ludovicense
de Karatê e Kung Fu que estava de passagem por Caxias-MA, me refiro ao mestre
Neto, fundador do primeiro grupo de Capoeira do citado município em 1987, denominado
Associação de Capoeira Unidos dos Palmares (ACUP).
Mestre
Zumbi relata que seu processo de aprendizagem e evolução com a arte Capoeira se
deu sem a filiação a um mestre ou grupo tradicional, ou seja, ele se considera
um capoeirista autônomo. Contudo, ao longo de sua trajetória o referido mestre
desenvolveu vários laços tanto com capoeiristas locais como os mestres Dunga (recém-chegado
de Brasília), Emidio (Unidos dos Palmares) e Antônio Carlos (Expressão
Corporal) quanto com capoeiristas de outros estados como o Piauí, entre eles,
os mestres Albino (Escravos Brancos), Oscar (Oscarpoeira), Dadá (Cordão de
Ouro), Pebança (Iê Berimbau), Ulisses (Alforria Capoeira), Jabiraca (Muzenza) e
capoeiristas como o professor Sílio (Escravos Brancos) quem inclusive já
ministrou um curso na sede do grupo Guerreiros do Quilombo.
Sua
opção por não se vincular a um mestre ou grupo tradicional lhe trouxe sérias consequências.
No universo da Capoeira, sobretudo, dos grupos inseridos no sistema de linhagem hegemônico
da Bahia somente quem possui um mestre e um grupo está teoricamente apto a dá
aulas. Mestre Zumbi chega a se emocionar ao lembrar-se das memorias que representam momentos
desagradáveis durante suas vivências como capoeirista. Ele relata que
foi rejeitado tanto no universo das rodas de Capoeira em Caxias-MA e Teresina-PI quanto
pela própria sociedade caxiense por ter optado pela não vinculação a um mestre ou
grupo, no primeiro caso, e por ser um capoeirista e afro-brasileiro no segundo
(sabe-se que o preconceito racial é um fenômeno real no Brasil há séculos).
O
grupo Guerreiros do Quilombo foi fundado ainda na década de 1980 por um grupo
de amigos, porém, no inicio era visto como um coletivo de capoeiristas e não
como grupo de Capoeira nos moldes dos que vemos hoje. Entre 1986-1987 o grupo
passou a se chamar Guerreiros do Quilombo e somente na década de 1990 passou a
ser tratado enquanto um grupo de Capoeira oficialmente regularizado.
(Fachada da sede localizado no bairro Campo de
Belém, Caxias-MA)
Foto: Guerreiros do Quilombo
O
nome do grupo está relacionado diretamente com a historia de luta e resistência
de mestre Zumbi no cenário local, haja vista que o referido mestre enfrentou
vários obstáculos durante sua trajetória. Ele diz “a Capoeira é assim, em um
dia você tem 100 alunos e no outro você tá sem alunos”. Essa fala representa
inúmeras situações narradas pelo mestre durante a entrevista na qual ele se viu
praticamente sem alunos devido ao descaso de inúmeras ações do poder público, do
preconceito de parte da sociedade caxiense com relação à Capoeira e ao
capoeirista, em especial o negro (devemos lembrar que a Capoeira já foi
considerada crime no código penal de 1890 sendo cruelmente perseguida durante a
fase da primeira república -1891/1930) ou mesmo pela dissidência e filiação de
membros do grupo ao outras siglas de fora do município.
Atualmente
o grupo possui alguns bens, entre eles, uma sede física bem estruturada
localizada no bairro do Campo de Belém na cidade de Caxias-MA, um veiculo
automóvel modelo Kombi para o transporte dos alunos durante apresentações
dentro e fora do município, um CD com musicas autorais e uma revista que
apresenta as ações do grupo à comunidade. Além disso, encontra-se em andamento o
projeto de um filme que vai mostrar a trajetória de mestre Zumbi e do grupo
Guerreiros do Quilombo.Faz-se necessário deixar claro que todas essas
conquistas são produto do esforço e da dedicação de mestre Zumbi e seus alunos,
pois ele nunca recebeu qualquer tipo de apoio do poder público para manter o
grupo de portas abertas a toda sociedade caxiense.
(Mestre Zumbi ao lado do transporte oficial do grupo)
Foto: Guerreiro do Quilombo
(Parte interna da sede )
Foto: Guerreiros do Quilombo
É
preciso lembrar que o descaso do poder público não se limita apenas a Capoeira,
mas a todas as outras manifestações que fazem parte da cultura popular caxiense
como o Bumba meu Boi, o Tambor de Crioula, as Escolas de Samba, as Quadrilhas
Juninas, a Dança do Lili entre outras. Diante desse cenário vemos a relevância
do trabalho de um mestre que trilhou sua trajetória de forma autônoma em duas
dimensões: 1) em relação a qualquer tipo de participação do poder público nas
ações do grupo; 2) em virtude, do fato de não ter se vinculado a um mestre ou
grupo tradicional. Ao questionar o entrevistado se se considera mestre de
Capoeira, ele responde “eu nunca tive um mestre ou grupo, por isso eu fui muito
rejeitado no inicio, mas se você me pergunta se eu sou mestre, eu prefiro dizer
hoje que a comunidade reconhece meu trabalho”.
O
grupo Guerreiros do Quilombo possui atualmente uma filial fora da cidade que
funciona no município de Aldeias Altas (microrregião de Coelho Neto,
mesorregião do leste Maranhense), mas já teve filiais em outras cidades como
Bacabau, enquanto que no município de Caxias-MA, o grupo possui 5 filiais. O
grupo possui 5 professores somente em sua sede que se revezam na condução dos
treinos quando o mestre não pode está no local. Pode-se dizer que o ECGQ é uma
importante ferramenta de inclusão social para jovens e adultos da cidade, uma
vez que atua não só na salvaguarda da arte Capoeira bem como na formação desses
sujeitos preparando-os para o convívio em sociedade. Em outras palavras, o
grupo caracteriza-se como um agente de cidadania que atua através da educação
cultural, um papel que o estado há muito tempo negligencia.
Perguntado
sobre como o grupo identifica sua forma ou estilo de fazer Capoeira, mestre
Zumbi logo responde “nós nos consideramos um grupo de Capoeira Regional, mas
também temos interesse na Capoeira Angola, até criamos recentemente um espaço
na nossa sede chamado Espaço Angola”.
(Sequência de mestre Bimba)
Foto: Guerreiros do Quilombo
( Espaço Angola)
Foto: Guerreiros do
Quilombo
O Centro de Folclore
e Arte Popular de Caxias (CEFOL) é uma Organização não Governamental sem fins
lucrativos (ONG) fundada em 2006, em Caxias (MA), com o objetivo de colaborar para a salvaguarda do patrimônio cultural
brasileiro, maranhense e caxiense. Foi
idealizada pelo artista e mestre
de cultura popular Antonio Cruz, contando com a
participação de importantes
produtores culturais , artesãos, folcloristas e mestres de cultura popular
da região no seu surgimento e no desenvolvimento de
suas atividades
.
OBS. Os treinos de Capoeira ocorrem às segundas, quartas e sextas, a partir das 19 horas, e aos domingos a partir das 9 da manhã.
Contato: (99)- 98829-2170
Sobre o autor:
* Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) e mestrando no Programa de Pós-graduação em Antropologia (PPGAnt-UFPI). Co-fundador do grupo de Tambor de Crioula Mangacrioula na cidade de Teresina (PI).