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O Centro de Folclore e Arte Popular de Caxias (CEFOL)   tem como objetivo   colaborar para a    salvaguarda do patrimônio cultural brasile...

sábado, 2 de novembro de 2019

Quando o Tambor me chamou: vivências de um coreiro no CEFOL




Wanderson Carlos Lima da Silva[1]

Esse pequeno texto foi produzido com o objetivo de relatar minhas experiências com as vivencias que venho tendo na ONG. Centro de Folclore e Arte Popular de Caxias do Maranhão (CEFOL) desde o ano de 2013, e ainda, serve como mais um espaço para que eu consiga homenagear e expressar minha eterna gratidão a Antonio Nascimento Cruz, presidente vitalício da instituição, um amigo, um pai, um MESTRE, que me proporcionou um novo caminho para minha vida, repleto de cultura e arte. Salve Seu Cruz, encantado no dia 24 de agosto de 2019.


 Antonio Cruz em um desfile da Escola de Samba Malucos por Samba 
                                                                                                          Arquivo: CEFOL

Antonio Cruz com seu berimbau feito por mestre Bimba durante uma performance na década de 70 no México.
Arquivo pessoal

O CEFOL é uma ONG com sede em Caxias que tem como intenção a salvaguarda da cultura popular maranhense e afro-brasileira por meio de um museu dinâmico e da realização de oficinas e rituais de manifestações populares como: o Tambor de Crioula, o Bumba meu Boi, a Caixa de São Sebastião e o Samba. É relevante pontuar o que é o CEFOL e o que faz parte do seu quadro de atividades porque em minhas vivências nessa instituição tive a possibilidade de adentrar e ser envolvido de forma gradativa por cada manifestação em tempos diferentes.
Em primeiro momento tive a oportunidade de participar, e isso foi possibilitado pelo convite feito por Cayo Cruz, filho de Antonio Cruz, do desfile da escola de samba Malucos por Samba no ano de 2013. Nessa ocasião, eu e mais um punhado de alunos da Universidade Federal do Piauí-UFPI, que, nessa situação, tiveram em sua maioria a primeira experiência com esse tipo de atividade, tivemos a honra de ensaiar e compor a comissão de frente da escola, como soldados templários, guardiães de Don Sebastião e da cultura popular do bumba meu boi, embalados pelo enredo “De Gonzaga ao bumba boi: bicho nacional por excelência” de Cayo Cruz.

Comissão de frente da Escola de Samba Malucos por samba em 2013: cavalheiros de Don Sebastião
Arquivo: CEFOL

Passados alguns meses desse desfile, voltei, novamente com mais alguns companheiros (as) da UFPI, ao CEFOL, já instalado em sua nova sede, em um lindo complexo de prédios e ruínas tombados pelo IPHAN e que um dia tinha sido a primeira Estação Ferroviária de Caxias (1895),para participar da oficina de bumba meu boi e tambor de crioula ministrada por quatro artistas populares da cidade de São Luís. Foram três dias de oficina que nos apresentaram as técnicas e simbologias do sotaque de bumba meu boi de zabumba e,em especial, do tambor de crioula e suas variações rítmicas e poéticas das cidades de Caxias e São Luís. Esses três dias de aprendizado culminaram com o ritual de batizado do grupo de bumba meu boi Brilho da Princesa e de uma apresentação do mesmo grupo na Vila Junina, arraial da Prefeitura da Cidade. O ritual de batizado foi agraciado também com uma roda de Tambor de Crioula com os ministrantes e os alunos da oficina, que serviu para por em prática os ensinamentos e também como um momento de comunhão.

Oficina de Tambor de Crioula para estudantes da UFPI em 2013 no CEFOL
Arquivo: Ricardo Ximenes

Batizado do bumba boi brilho da princesa em 2013
                                                                                              Arquivo: Ricardo Ximenes

Essa oficina rendeu bons frutos, que se consolidou com o primeiro ensaio de tambor de crioula realizado nas dependências da UFPI, onde se encontravam alguns participantes da oficina e outras pessoas que se interessaram pela atividade. Esse ensaio que aconteceu no dia 24 de outubro de 2013 e deu origem ao grupo de tambor de crioula Mangacrioula, primeiro grupo de tambor de crioula da cidade de Teresina, legado do CEFOL que se expandiu realizando atividades como oficinas, ensaios e rituais de batizado e aniversário em varias cidades do Piauí e do Maranhão.
Minha participação efetiva nas atividades do grupo Mangacrioula, que extrapola a prática do tambor de crioula e se estende para performances de bumba meu boi, samba e tambor de mina, fez com que eu me aprofundasse e me especializasse cada vez mais nos elementos simbólicos e práticos da cultura popular, que teve como um dos resultados o feitio do trabalho de monografia para o termino do curso de Ciências Sociais da UFPI, intitulada de “Eu me criei na palha do coco, deixando o vento me balançar: a identidade do Grupo Mangacrioula de Teresina”. Essa minha vontade, que também era partilhada por meus (minhas) companheiros (as) de grupo, de aprender cada vez mais sobre essas manifestações nos deu a oportunidade voltar para o CEFOL, não mais como dissentes das oficinas, mas como ministrantes.

Apresentação do grupo Mangacrioula em Teresina (PI)
Arquivo: Mangacrioula

    Palestra e apresentação do grupo Mangacrioula na Universidade Estadual do Piauí (UESPI) em 2019
Arquivo: Mangacrioula
Foram diversas oficinas lecionadas pelos integrantes do Grupo Mangacrioula, em parceria com os membros do CEFOL, em especial Antônio Cruz. Essa relação de amizade, cumplicidade e determinação em ver os conhecimentos da cultura se expandir para o maior número de pessoas possíveis não parou ai. Seu Cruz, ao perceber meu interesse e disposição para contribuir, começou a me inserir cada vez mais no planejamento e na organização de outras atividades da entidade, daí em diante,  trabalhei também na construção de projetos, na organização do calendário da instituição, dos instrumentos, dos participantes e  dos rituais religiosos.
Uma atividade que realizei com Antonio Cruz e Joelma Bezerra foi referente ao dia do Folclore do ano de 2017. Fui convidado para palestrar nesse evento, não somente devido à quantidade de trabalhos que tinha realizado na instituição, mas também por dedicar boa parte da minha vida acadêmica, tanto na graduação quanto no mestrado em Antropologia da UFPI, ao estudo das manifestações populares tais como Tambor de Crioula, Bumba meu Boi, Tambor de Mina e Capoeira. Seu Cruz me deixou muito a vontade para organizar didaticamente o andamento das atividades, que se prolongou durante todo o dia, sendo a parte da manhã destinada a crianças de uma escola de ensino fundamental I, que fica próxima à sede do CEFOL, e a parte da tarde para alunos do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA.
Nessa atividade senti que meus trabalhos acadêmicos voltados para o estudo da cultura popular e minha predisposição à organização das atividades dessa natureza tinham sido bem recebidas e incentivadas por Seu Cruz. Mas o auge de minha alegria foi quando, Seu Cruz e Cayo Cruz, me solicitaram a elaboração do samba enredo da escola de samba Malucos por Samba. Eu já havia participado da escola em dois carnavais como integrante da comissão de frente e essa nova empreitada foi um dos maiores desafios da minha  vida. Nesse ano escrevi o samba enredo e fui o interprete da escola, o que foi uma grande experiência  e marcou meu crescimento como artista.

Programação do dia do Folclore em 2017 no CEFOL
Arquivo: Joelma Bezerra
Programação do dia do Folclore em 2017 no CEFOL
Arquivo: Joelma Bezerra
Wanderson Carlos em uma oficina de tambor de crioula no quilombo Jenipapo, em Caxias (MA)
Arquivo: Mangacrioula
Minha evolução gradativa como artista, que desenvolvi a partir dessas experiências no e com o CEFOL, me proporcionou participar e organizar inúmeros projetos culturais de várias naturezas. Posso listar, por exemplo, a construção e distribuição, no ano de 2016, de um Zine composto de poesias, denominado de Sócio Poética, feito em parceria com o Cientista Social, poeta e coreiro do grupo Mangacrioula, Vinicius Viana. Também tive a possiblidade de contribuir como ministrante do Mine Curso “Reflexões antropológicas sobre aperformance dos rituais de Capoeira Angola e Tambor de Crioula”  realizado dentro do Projeto de Extensão “Rituais afro-brasileiros: Corpo, música e religiosidade na Capoeira Angola e no Tambor de Crioula” coordenado por Celso de Brito, professor doutor do Programa de Pós-graduação em antropologia da UFPI, que priorizava o ensino das simbologias e técnicas performáticas do tambor de crioula.
Tive a honra de cantar, no ano de 2015, no ritual de aniversario do grupo Mangacrioula, que aconteceu na Praça do Ininga em Teresina, uma música junto com o grupo de bumba meu boi Riso da Mocidade, da cidade de Timon. Participei ainda, como percussionista, de shows de diversas bandas, como da banda teresinense de Blues,Br 316, dos projetos musicais de Cayo Cruz: Visagem e Calango Rei. Integrei em varias ocasiões rituais de Tambor de Mina coordenados por Pai Heraldo de Lissá, do Terreiro de Mina Whebe Mina Toy Vodun Lissá. E o que acho bem relevante, ministrei oficinas e mini cursos de percussão em parceria com várias instituições, privadas e públicas, como o SESC-PI, a UEMA, o coletivo Ocupart, a UFPI de dentre muitas outras, durante todo esse processo de construção artística de minha pessoa. Toquei junto com o Grupo Mangacrioula, no festival de Inverno da Cidade de Pedro II- PI, no Salve Rainha e em muitos outros festivais de porte regional, nacional e internacional.


Mangacrioula e CEFOL após palestra e oficina na escola Débora Pereira no ano de 2017 em  Caxias (MA).
Arquivo: CEFOL


 
Muitas histórias podem ser contadas a partir de minhas vivencias no Centro de Folclore e Arte Popular de Caxias, o conhecido CEFOL. Durante todos esses anos aprendi muito com todas as pessoas que se fantasiaram, que tocaram, que ajudaram, que se jogaram para expandir a cultura popular. Dos ensinamentos que recebi, tentei ao máximo compartilhar com todos e acabei aprendendo ainda mais, construindo de maneira coemergente o conhecimento intrínseco às manifestações populares. Sinto-me grato por tudo, e depois da passagem de nosso MESTRE Antonio Cruz, de outros mestres e vários brincantes com quem convivi, eu tenho a obrigação de continuar lutando pelo CEFOL, pela cultura, pela alegria, pela vida.

Salve a cultura popular! Salve o CEFOL, Salve Seu Cruz.









[1] Cientista Social e Mestrando em Antropologia pela Universidade Federal do Piaui (UFPI). Brincante de Bumba meu Boi, coreiro de tambor de crioula, artista popular.

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